"O fazedor de tendas está sujeito a alguns perigos"


Antes de entrar no assunto principal, é preciso recordar exatamente o que é “fazedor de tendas” (ou missionário bi-ocupacional ou profissional em missões).1

Max Warren afirmou:

Eu creio que existe um chamado para um tipo de atividade missionária
inteiramente nova a ser desenvolvida paralelamente aos moldes tradicionais…
Homens e mulheres… indo… como empregados assalariados comuns…
para trabalhar… com uma perspectiva cristã.
A recompensa financeira ou a promoção estarão completamente subordinados à sua vocação cristã.

É importante ter um conceito muito bem firmado sobre o que é um fazedor de tendas ou missionário bi-ocupacional. Vamos recordar três deles:

1. O fazedor de tendas é um cristão que trabalha num contexto transcultural, reconhecido pelos membros da cultura local como “algo mais” do que apenas um “religioso profissional”; não obstante, em termos do seu compromisso, chamado, motivação e treinamento, ele é de fato um missionário. (Don Hamilton)
2. Fazedores de tendas são testemunhas cristãs de qualquer nação que, com suas habilidades e experiências, obtêm acesso e se mantêm em outra cultura com o objetivo primário de fazer discípulos para Jesus Cristo e, onde possível, estabelecer e fortalecer igrejas. (TI – Tentmakers International)
3. Fazedores de tendas são discípulos de Jesus Cristo que, chamados por Deus e comissionados pela sua Igreja, usam seus dons, talentos e habilidades profissionais para servir ao Senhor em um contexto transcultural. (Interserve)
Como se vê, a maioria dos autores entende o fazedor de tendas no contexto transcultural. Isso é óbvio, no sentido de que, na nossa própria cultura, no final das contas, todos somos fazedores de tendas! Todos devemos ser testemunhas de Cristo em nossas vidas e trabalhos. Por isso, na missiologia, o termo “fazedor de tendas” é mais compreendido e difundido no contexto transcultural.

Motivação
Antes de ir para o campo, é preciso que o futuro fazedor de tendas avalie sua verdadeira motivação, que o está atraindo nesta direção. Algumas motivações, por exemplo, podem ser:

Insatisfação com minha situação atual (fuga?)
Gostaria de conhecer outras culturas (aventura)
Vejo as necessidades e acho que posso ajudar (boa vontade)
Estou disposto a ir e tenho condições e apoio (disponibilidade de recursos)
Vou fazer o que eu gosto! (busca de realização pessoal)
É legal! Tenho uns amigos que foram… (modismo)
Creio que Deus me chamou (certeza da vocação)

Mesmo que haja um mix de motivações (quase todo missionário também é aventureiro…), a última opção acima deve ser a verdadeira e última motivação. Por isso, precisamos fazer a oração do salmista: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno” (Sl 139.23-24).

Possibilidades
Erramos quando entendemos o testemunho cristão apenas como o anúncio das boas novas. Devemos trabalhar pelo reino de Deus no sentido integral. Ele nos deixou o mandato cultural (cuidado da sua criação) e o mandato evangelístico (proclamação do evangelho). Somos suas testemunhas e estamos trabalhando pela expansão do seu reino tanto quando evangelizamos alguém, como quando ministramos junto a um povo sofrido, quando cuidamos de maneira inteligente da natureza, quando produzimos melhorias nas condições de vida de uma comunidade, quando damos nossa parcela de contribuição na redução das taxas de miséria no mundo. É preciso obedecer paralelamente aos dois mandatos: um não exclui o outro. Daí o termo “missionário bi-ocupacional” ou “bi-vocacional”, que também é usado para fazedor de tendas.

Ficaremos frustrados se tentarmos medir nosso testemunho apenas pelo número de convertidos. Podemos nos realizar dentro do reino de Deus de diversas maneiras, como missionários bi-ocupacionais:

1. Testemunho de vida: trabalho honesto e eficaz, modelo de família cristã, amizade verdadeira, solidariedade. “Pregue o evangelho o tempo todo. Se precisar, use palavras”, disse São Francisco de Assis.
2. Alcance evangelístico específico: o missionário bi-ocupacional pode alcançar pessoas que o missionário tradicional às vezes não alcança, pois não carrega o clichê de “pastor” ou “missionário”. Ele pode penetrar camadas sociais de pouco acesso para o missionário tradicional, como pessoas do governo, pessoal de universidades, operários etc.
3. Ponte de contato: o fazedor de tendas pode se tornar numa verdadeira ponte de contato entre outros missionários e pessoas ou comunidades a serem alcançadas.
4. Apoio logístico: o profissional em missões pode apoiar trabalhos missionários de diversas maneiras, disponibilizando recursos próprios ou de sua organização para igrejas e missões, praticando a hospitalidade, recebendo e repassando encomendas e correspondência, fazendo compras para outros missionários etc.
5. Abertura de novas oportunidades: fazendo um trabalho de qualidade em sua profissão ou ofício, o missionário bi-ocupacional pode abrir oportunidades de trabalho para outros fazedores de tendas. O seu “chefe” logo vai lhe perguntar: “Você não tem algum colega em seu país que trabalha da mesma forma que você para nos indicar?”
6. Menor custo: no caso do profissional parcial ou totalmente auto-sustentado, o custo para a igreja mantenedora é substancialmente menor (se bem que sempre deve haver algum envolvimento financeiro da igreja e, ou missão, por menor que seja, para que se sintam participantes e co-responsáveis pelo trabalho). Mas é importante esclarecer que isso acontece na minoria dos casos,2 porque os países que precisam desta estratégia (locais de acesso restrito) são justamente, na sua maioria, alguns dos países mais pobres do mundo – onde os salários são baixos ou inexistentes. Muitos destes missionários entram como voluntários e dependem do sustento financeiro de suas igrejas e amigos no país de envio.
7. Realização profissional: o sentimento de ser útil e se sentir realizado geralmente é bem mais forte no fazedor de tendas. Ele pode ter se deslocado de sua terra de origem para suprir uma necessidade específica em um outro local. Às vezes, é o único profissional da área num raio de vários quilômetros, o que gera uma grande satisfação no serviço.

Dificuldades

1. Testemunho restrito: em países “fechados” ou de acesso restrito, há fortes e declaradas restrições ao testemunho cristão, seja por parte da empresa ou do governo.
2. Tempo reduzido: não é fácil “dar conta do recado” — ter tempo suficiente para trabalhar (em alguns casos, quando se contrata um profissional estrangeiro, é requerido dele muito mais do que 8 horas por dia: requer-se dedicação total mesmo!), desenvolver atividades propriamente “ministeriais” e de apoio à igreja local, aprender a língua etc. E, se o fazedor de tendas não aprender devidamente a língua e os costumes locais, o testemunho pela palavra se torna muito difícil.
3. Curto prazo: nos casos em que há salário, geralmente os contratos são de um a dois anos, quando não de alguns meses. Às vezes, existe a possibilidade de renovação de contrato. De qualquer forma, este prazo é bastante curto para se acostumar e adaptar bem à nova cultura, aprender a língua, praticar discipulado, ajudar no desenvolvimento da igreja local.
4. Falta de apoio: pelo caráter peculiar do fazedor de tendas, muitas vezes ele nem é reconhecido como missionário. Assim, falta-lhe apoio em muitos sentidos: cuidado pastoral, intercessão, comunicação com a igreja local e com outros fazedores de tendas para troca de experiências etc. Se ele fizer parte de uma agência missionária, e não for um fazedor de tendas independente, este apoio poderá ser suprido, o que será bem melhor para ele.
5. Isolamento cultural: grandes empresas criam condomínios fechados para seus empregados, com quase todos os recursos do seu país de origem, inclusive escola para os filhos na língua materna. Alguns acabam testemunhando apenas ali, no condomínio (o que já é um bom trabalho), mas não alcançam pessoas de outras culturas. Outro risco é a pessoa envolver-se apenas com outros colegas de trabalho estrangeiros, o que também não gera testemunho na própria comunidade.
6. Desnível social: em alguns casos, o fazedor de tendas recebe um salário bem mais alto que os nacionais, mora em casa bem melhor, às vezes em condomínio, têm mais recursos. Isso pode não ser um mal e ser até necessário para fazer o trabalho – mas também produz um afastamento social das outras pessoas.
7. Falta de preparo: não deveria ser assim, mas, muitas vezes, o fazedor de tendas tem um preparo bíblico, espiritual e missiológico aquém do necessário para enfrentar situações totalmente adversas e diferentes das que está acostumado.
8. Inviabilidade: o ministério bi-ocupacional é inviável em casos de ministérios específicos, que requerem tempo, período de permanência no campo e dedicação integrais do missionário. Exemplo: tradução da Bíblia para uma língua não escrita.

Perigos
Depois de ir para o campo, o fazedor de tendas está sujeito a alguns perigos, como:

1. Manter um nível de vida muito acima do nível dos moradores locais;
2. Buscar realização profissional como prioridade;
3. Querer voltar após “três ou quatro meses” (choque cultural);
4. Enfraquecer o seu compromisso inicial, o que pode ocorrer por diversas razões: preparo deficiente, falta de ligação com uma agência missionária e, ou, igreja de origem, falta de apoio ou mesmo preconceito da liderança evangélica local, falta de companheirismo, sobrecarga imposta pelo próprio trabalho, estresse, um novo relacionamento (no caso de solteiros) ou falta de adaptação do cônjuge (principalmente se a pessoa foi com um projeto só para ela mesma, sem incluir o cônjuge) etc.
5. Ser tentado de forma nunca antes experimentada. (Satanás não desiste de derrubar-nos e, longe do nosso convívio espiritual natural, as tentações virão, com certeza, mais fortes.)

Conclusão
Para minorar todos estes perigos a que realmente está sujeito, quem deseja se tornar um fazedor de tendas deve:

1. Ter certeza da vocação;
2. Estar sempre envolvido no trabalho de sua igreja local;
3. Sujeitar-se a um bom preparo e treinamento;
4. Buscar cobertura da sua igreja (em direção, oração, amizade e finanças);
5. Pesquisar boas agências missionárias, com ênfase em missão integral;
6. Manter-se informado sobre necessidades e possibilidades no campo;
7. Corresponder-se com um fazedor de tendas que já está no campo;
8. Integrar uma equipe no campo.
Um fazedor de tendas assim preparado, com a cobertura da igreja e da agência missionária, será tremendamente usado por Deus! Esta é a nossa oração!

Anexo I
Recursos para Fazedores de Tendas
1. Curso preparatório:
Programa de Fazedores de Tendas no CEM – Centro Evangélico de Missões
www.cem.org.br\acadêmico\cursosadistancia\disciplinasparaft
2. Guia autodidata:
Profissionais em Missões (disponível gratuitamente na internet)
http://www.tentmakernet.com/portugal/index.htm
3. Livro:
Fazedores de Tendas, Fazedores de Discípulos (de Philip Greenwood, Ed. Descoberta)
4. Associação:
AFTB – Associação de Fazedores de Tendas do Brasil
www.aftb.org.br
5. Agência para profissionais:
Interserve Brasil-CEM: http://www.cem.org.br/interserve/is.asp
Interserve Internacional: www.interserve.org


Fonte: O Cuidado Integral de Missionários

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